“Reportagens de fôlego precisam de tempo de maturação”, diz o jornalista Alceu Castilho

Alceu Castilho/Divulgação

A produção de um conteúdo jornalístico investigativo de qualidade possui dois fatores essenciais: tempo, para que o repórter se dedique à pauta e à apuração; e investimento, para que ele se desloque de acordo com os rumos de sua investigação.

Estes fatores complicam a atuação de repórteres investigativos na mídia impressa, pois, atualmente, os jornais diários têm passado a se dedicar cada vez mais a produção de matérias factuais e instantâneas.

De acordo com o jornalista Alceu Castilho, autor do livro Partido da Terra, a baixa produção de reportagens investigativas nos periódicos é consequência de sua receita. “Os jornais diários pertencem à imprensa tradicional, que está em crise. Um dos objetivos centrais dela é gerar lucros para os acionistas. Para manterem a margem, cortam vagas nas redações. Com pouca gente, não há espaço para jornalismo investigativo sistemático, com produção diária, nas várias áreas que a publicação pretende abranger”, aponta.

Ainda segundo Castilho, as poucas matérias investigativas que são publicadas na mídia, muitas vezes, são de acordo com o que o alto escalão do jornal decide investigar, seguindo seus interesses políticos. “Milhares de temas são escanteados. Alguns dos mais importantes aparecem aqui e ali, como erupções. Este ou aquele repórter consegue emplacar um ou outro tema, a muito custo. Nos melhores casos, são as reportagens que vão ganhar os prêmios de jornalismo”. Ele complementa. “Em outras palavras: é um jornalismo investigativo para inglês ver, ou para patrão ver. E não que mude um país, que faça a imprensa exercer, de fato, sua função”.

Atualmente as reportagens investigativas ganham mais espaço na mídia alternativa, imprensa em que os repórteres e editores possuem uma maior independência sobre os temas que desejam tratar. “Ela ainda não tem escala, para dizermos que está substituindo os jornalões e oferecendo ao leitor esse serviço, com abrangência geográfica e com uma frequência razoável. Ao menos, porém, há um esforço, alguma luz no fim do túnel. A sociedade precisa apostar mais nesse segundo vetor. Pois não vejo muito coelho saindo do mato tradicional”, afirma Castilho.

Porém, tanto na mídia tradicional quanto na alternativa, para que uma matéria investigativa seja publicada, ainda é necessário dedicar tempo e investimento no trabalho dos repórteres. “Reportagens de fôlego precisam de tempo de maturação. E cada jornalista precisa ter um tempo – remunerado – para isso”, avalia Alceu Castilho.

Mas, além dos problemas já citados, Castilho aponta a falta de formação dos jornalistas como um dos fatores que afetam a produção de reportagens investigativas, sendo que, muitos repórteres, tratam os temas jornalísticos com superficialidade. “Investigar não é só descobrir uma falcatrua; é iluminar os fatos, mostrar ao leitor pedaços do Brasil – político, econômico, social, cultural, ambiental – que ainda não foram desvendados. E aí é preciso estudar mais. Não é só o Danilo Gentili que precisa estudar mais”.

Por fim, o jornalista Alceu Castilho, comenta que a sociedade também pode auxiliar no trabalho dos repórteres investigativos, seja por meio de investimentos, ou até mesmo por meio de financiamento coletivo, o crowdfunding. “ONG, sindicatos e movimentos sociais precisam se mover nesse sentido também. A democracia agradece”.

Alceu Luís Castilho, 44 anos, é jornalista desde 1994, formado pela Universidade de São Paulo (USP). Entre 1994 e 2001, trabalhou no jornal O Estado de S. Paulo. Em 1999, venceu o prêmio Fiat Allis de Jornalismo Econômico (hoje prêmio CNH). Outros veículos: IstoÉ Dinheiro, Reuters. Foi fundador e editor-executivo da Agência Repórter Social, pela qual obteve os Prêmios Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, o Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo e o Prêmio Andifes. É também Jornalista Amigo da Criança, título oferecido pela Agência de Notícias de Direitos da Infância (Andi) em 2007.

Esse post foi publicado em Monitoramento de Notícias e marcado , , , , . Guardar link permanente.

Deixe um comentário